O Júlio sabia que a vida era uma puta. E por isso as admirava, às putas. E delas só queria um beijo na boca. O Júlio beijou a vida na boca e descobriu cedo que o sabor era amargo. Foi à clandestinidade em nome de valores, acreditando que era quase comunista. Descobriu, cedo, que era demasiado libertário para aceitar as grilhetas ideológicas. A sua arma de mão, lâmina fria, foi o humor – nunca de algibeira sempre cortante, tão lúcido que até doía. Ainda um dia vamos acordar com uma pérola no cu e descobrir que a sua filosofia era de ponta. Este libertário romântico que não gostava de romantismo odiava o proselitismo tanto como gostava da escrita e das partidas que os dias nos pregam. Conheceu o Bairro Alto e a noite do avesso e um jornalismo feito de pessoas e imaginação. Foi o preguiçoso mais trabalhador, o mais dócil dos provocadores, o mais convivial dos individualistas. Participou de todas causas e todas o traíram, como está bem de ver. Ainda assim acreditava no que nos protegia da vida e que é a vida ela própria: as discussões, as jantaradas, as bebedeiras, os projectos, as pessoas. O Júlio ofereceu-nos uma especial inteligência. E é por isso que só a sua morte, no aniversário de uma revolução, ainda me deixa estúpido.
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