Há dias assim, em que o recolhimento escapa pelas frinchas e, de súbito, o vento faz-se convidado e instala-se. Traz com ele o ruído, a agitação, os destemperos, o desarrumo, cheiros e frescura. Parece insistir na ideia de posto de observação contaminado pelo mundo. Acolhedor, portanto.
domingo, outubro 24
A minha gata...
Mudanças e hesitações
Entretanto, o muro caiu sem estrondo. Confirma o que venho dizendo, sem espectáculo, os leitores vão-se. E se por ali ainda se tentava o circo da opinião, por aqui é tudo tão íntimo que o interesse cai como folhas no outono: tudo castanho e lamacento.
Very Important News #07
quinta-feira, outubro 14
quarta-feira, outubro 13
A minha gata...
quarta-feira, outubro 6
terça-feira, outubro 5
Encontros #05
Acabo de almoçar com o Paulo e a Cristina. (Zé, tens razão: nomes próprios são melhor que siglas.) Nem todos os meus encontros são à mesa, mas muitos deles, talvez os mais intensos, acontecem aí. Se descobrir porquê, aviso. O Paulo é um companheiro de há mais de trinta anos, agora afastado para o interior, dedicado à terra nas salas da universidade, mas nunca afastado de mim. São muitas as palavras e os silêncios que nos unem. Hoje, misteriosamente passámos o tempo mastigando ideias sobre o núcleo duro ético que toma parte das religiões, para além do misticismo, o que aconteceu a propósito dos desejos de vingança e da gestão das nossas vidas (prosaicas) a partir das psicologias ou das astrologias. Dietas é outro dos temas, por ora, recorrentes e por isso houve chocolate e promessas de cabrito e outras delicadezas. Não trouxe respostas para os dilemas (prosaicos) e só guardo as promessas de receitas a provar. E a partilhar. Bem haja pela companhia e pelo prazer, digo eu. Prosaicamente.
Faz hoje anos que morreu o Júlio
Encontros #04 B
Na longa conversa com o Zé e com o Paulo brotou um dilema saboroso, a propósito de críticas desenhadas por Art Spiegelman (se alguém pedir, disponibilizo também a minha primeira leitura de In The Shadow of No Towers) à gestão bushista do mundo. A crítica especializada tende a enterrar os livros em estranhas apreciações que afastam leitores, demasiadas vezes passando ao lado dos temas em discussão. É como pegar em Maus, obra magna de Spiegelman dedicada ao Holocausto e à ralação com o seu pai, e começar por dizer que algures desenhou mal um cão. A forma joga aqui com o conteúdo de modo fulgurante. Neste livro, mais do que as questões teóricas e formais, que ele nunca abandona, interessa-me ler o modo como aquele criador reporta (e daquela maneira) um acontecimento que mudou o mundo (ou, pelo menos, a sua percepção). Os encontros de que aqui vos falo, embora para eu recordar, são de puro gozo partilhável.
Media Vaca
Leitores
domingo, outubro 3
Crítico Postal #03
A foto não vem assinada. E devia, embora nada mudasse. É uma foto de montanha. Isto é, de nuvem. Ou seja, de abismo. Ou melhor de vento, talvez voz. Só posso adivinhar-lhe o sentido, mas não asseguro. Nenhum sentido é seguro: ao baixo? Ao alto? O convite é para um livro, que há-de conter palavras e nelas acontecerão poemas de JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA. Esta voz é quase o vento. As vozes serão ouvidas no céu da boca de Lisboa, em breve. E as palavras com poemas por acontecer estarão disponíveis para entrar nas casas e nas vidas explodindo como vento. A foto é a preto e branco, como tudo o que é dramático. Como a câmara lenta que arrefece o movimento para sentirmos mais, com mais clareza, com a frescura da nuvem por dentro. A foto não está assinada, mas The Famous Grouse apoia.
sábado, outubro 2
Encontros #04
quarta-feira, setembro 29
A minha gata...
Sanfona
quarta-feira, setembro 22
Conas
Conos, de JUAN MANUEL DE PRADA (Fenda), é uma surpresa, mas não é por nada disto. E muito menos porque fala de assunto arredado das literaturas: as conas, pudicamente passadas a masculino na capa, mas muito mal passadas, digo eu. Até porque uma das qualidades do texto é a sua precisão, que, como é sabido, é sempre cirúrgica (e bem vertida foi no português de José Carlos González). Há qualquer coisa de médico na frase de Prada. É fria a sua aproximação ao assunto, mas sucessiva. Sem nunca repetir a perspectiva, olha de soslaio, mordisca o assunto e depois repete. Manuseia a ironia com um bisturi, um bisturi de papel vegetal. A transparência esconde, portanto, ideias – belas e sinistras ideias, quotidianas e fantasistas ideias, absurdas e belas imagens. O todo revela-se aqui nas partes, o que é sinónimo de arte breve: um início de conto, um haiku desenvolvido (túrgido?), uma reflexão esboçada. Mas chega para criar um ambiente, apresentar personagens e sugerir erotismos dos mais puros. Prazer aqui é o da frase, o da escrita, também ela em lógica erótica sem olhar a consequências, o que, em parte, é devedor do mestre homenageado RAMÓN GÓMEZ DE LA SERNA (o de Seios, Antígona). E não olha a consequências. Mas isso que interessa? Basta o enorme gozo e a perícia. Este livro é inclassificável, como o são, a princípio, as surpresas. Bendita esta estranheza que se solta das conas. Bendita esta vontade de aprender. Do conto Refutação de Henry Miller: “A espeleologia da cona exige métodos artesanais que aumentem a tremura fervorosa das mãos penetrando num recinto cheio de estalactites e estalagmites, embalado pelo musgo tépido da púbis, ressumante de líquidos e pudor”. Bendito pudor.