quarta-feira, junho 9

Carta aberta ao passaporte

Não foste o primeiro, nem serás o último. São meia dúzia de folhas e carimbos, mais um visa e uma foto. A fotografia a la minute tem aquela qualidade surpreendente de nos apanhar sempre em momento irreconhecível. No caso, ao acordar, tentando a normalidade. O visa era para o país das torres gémeas, os carimbos cheiram a sul e a oriente. Tu, em concreto, fizeste-me companhia sempre em bons momentos. Foste chave de acesso, com essa dignidade bordeaux, a passagens quase exóticas. Aquele que te substitui irá para longe, trará outros relatos. Não me iludo pois nada conservas, a não ser restos de tinta, suor e as impressões dos controladores. Não guardas as histórias. Repousas agora no arquivo triste de um governo civil. Por pecadilho de juventude, quando andavas pelo verde, esqueço que és ferramenta de controlo quase medieval (na palavra e na cor), dizes aos polícias por onde ando, que idade tenho, além da pureza do meu cadastro, das minhas intenções. Dizias da minha identidade, cuidando que ela se conserva em fotos e datas e nomes.

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