sábado, junho 5

Achado, assim perdido

Deve ter um funcionamento semelhante ao da electricidade. No grande interruptor da língua, alguém ligou a palavrinha. A princípio era sussurro quase longínquo. Ouvíamos dizer, eram estranhos que praticavam a perguntinha. Mas a corrente foi passando e ouvia-se perigosamente em bocas vizinhas. De súbito, estava próxima, por entre os lábios de uma amiga. Em nossa própria casa, na família. O cerco foi-se fechando até que o próprio autor destas linhas, apardalado, se apanhou a pontuar o fim de uma frase com a famigerada interrogação: «Achas?» Deve funcionar como a electricidade, mas em mais irritante. O tom sobe entre o A primordial e o S apocalíptico, lançando o desafio em tom de desprezo à cara do interlocutor. Também o próprio pode replicar em eco, repetindo o pingue-pongue até ao infinito. Ainda me arrepio quando a oiço, mas esperemos que o sofrimento agudo que provoca não dure muito. Um destes dias regressará ao limbo onde se perdem os sentidos, será apenas mais um som indistinto com que enchemos as nossas conversas. Pelo menos é o que eu acho, assim perdido.

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