segunda-feira, junho 14

Sargaçal

Há uns meses, a propósito de correcções, recebi um e-mail do José Rui Fernandes: «Catar gralhas é um trabalho que nunca acaba. É como plantar árvores – ainda tenho 119!» Um pouco mais adiante lia, pasmado. «Plantei uma Sequoia Gigante de semente e tem neste momento uns dois ou três cm. Não é fantástico pensar que pode viver uns 3000 anos e crescer uns 120 m? Daqui a dois anos conto metê-la na terra.» Desde então passei a querer saber das árvores, seres que muito admiro e que sinto não estimar nunca suficientemente. E as nossas árvores?, fui perguntando para me comover com as respostas. «Lá andam. As de fruto estão todas a rebentar. Castanheiros vou plantar os últimos trinta para este ano. Ainda vou ficar com 25 em vaso porque o tempo passou e eles estão a despertar para a Primavera. Fica para o ano. Além disso, ainda tenho 26 Liquidambar e cinco Bétulas (ou serão Faias?) – mas tenho ainda de preparar o terreno. E fico por aqui para este ano. No total quase 200. Foi bom apesar de tudo. Tenho no frigorífico uma série de sementes para ver se germinam e se as coloco daqui a dois ou três anos. Espécies extraordinárias, como a mencionada Sequoia, Metasequoia, diversos Acers, Cupressus e outras.» Para alguém que raramente deixou a cidade, ter uma floresta em potência no frigorífico é motivo de contínuo deleite. Todos estes nomes entraram em mim com a estranha potência do sonho. O José Rui e a Susana trouxeram agora o Sargaçal não apenas para o ecrã, para o interior das memórias, mas para a minha geografia pessoal. Eles vivem no Grande Porto, mas investiram em terra mais a Norte com um amor único. Vou acompanhando cada aventura como a novela que é, de facto. O José Rui revelou noutros projectos, como a Mundo Fantasma, ou a Mais BD, uma capacidade muito própria para o detalhe. Para mim, é um deslumbramento saber dos nomes científicos dos fetos (também gosto imenso destes velhos, Zé Rui!), ou que há uma sociedade (quase secreta) de interessados, admirar o escaravelho verde, saber que ainda há quem lavre, o avanço e recuo dos trabalhos, a atenção às práticas ecologicamente correctas, o cheiro do rio e até as marcas das ferramentas. Notem bem o sabor dos nomes simples que surgem nos sítios: tapada, tanque, largo, estradão, lameiro. Sugiro que, na mesma linha de simplicidade, abandones essa terceira pessoa e tragas o eu para a conversa. Ficamos assim a saber a quem pertence o olhar que nos apresenta este mundo de aventuras.

Sem comentários: